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O Cinéfilos virou site!

jjrEquipe Cinéfilos – J.Jr ECA/USP

Depois de muito esforço e dedicação, nosso querido blog cresceu e virou um lindo site!

A J.Jr (Empresa de Jornalismo Junior da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo) orgulhosamente apresenta:

http://cinefilos.jjunior.org.br/

Ainda estamos fazendo os ajustes finais, mas o site já esta funcionando a todo vapor!

Comente, participe, dê suas sugestões e dicas! … E boa sessão!

Titãs, em forma, 26 anos depois

Heloísa Ribeiro

Já fazia tempo que o músico Branco Mello tinha a intenção de fazer um documentário sobre sua banda de rock, os Titãs, uma das mais importantes do Brasil. “Um dia eu vou fazer isso, vou fazer um filme”, dizia.

titas1Esse dia levou 22 anos. Mas valeu a pena. Titãs – a vida até parece uma festa estreou dia 15 de janeiro, após dar uma palhinha na 32ª Mostra Internacional de Cinema. Ao lado de Branco Mello, a co-direção do amigo e cineasta Oscar Rodrigues fez toda a diferença: “Tinha que ser um cara como o Oscar, respeitoso, talentoso, com um jeito compatível com o meu”. O titã conheceu Oscar quando este dirigiu o clipe da música Epitáfio, em 2002. Mostrou-lhe então a enorme coleção de fitas não catalogadas, que ele produziu desde que comprou a câmera, em 1986. Branco a levava nos shows, estúdios, quartos de hotéis, aeroportos, ensaios, registrando momentos vibrantes de criação e engraçadíssimos bastidores.

Junto às imagens amadoras do músico, apresentações antológicas foram recuperadas, como a do Hollywood Rock em 1988, onde os Titãs tocaram para mais de 200 mil pessoas, e a do Acústico MTV em 1997, que consagrou o aniversário de 15 anos da banda e marcou sua segunda geração de fãs. Esse Acústico vendeu mais de 1,7 milhão de cópias, o recorde do formato.

titas21Além dessas, o longa mostra diversas apresentações da banda em programas de auditório, como no Qual é a Música? de Silvio Santos e no Domingo Legal de Gugu Liberato, em que a banda encena resgatar uma fã de uma bizarra aranha gigante. Branco conta que era “um grande barato” para a banda tocar nesses programas: “A gente tocava nos buracos de São Paulo, mas tinha essa coisa em comum, de gostar dos programas de auditório. A gente achava aquilo a cara do Brasil e queria fazer parte também”.

Na quarta-feira, dia 28/1, Branco Mello e Oscar Rodrigues participaram de um debate com a plateia após sessão do filme, no HSBC Belas Artes. Ambos contaram das experiências que os levaram até a produção do filme, da perspectiva do ídolo e do fã. Oscar falou da honra de ser “convidado a interpretar o primeiro filme dos Titãs”, cuja obra sempre o emocionou. “Se já é uma responsabilidade dirigir um videoclipe, transformar em imagens as canções, com um filme isso só aumenta. Além disso, eu acho que eu nunca te falei isso antes [dirigindo-se a Branco Mello], mas é difícil co-dirigir. Um dragão de duas cabeças pode muito mais facilmente se chamuscar. Mas o Branco foi ótimo, conseguimos trabalhar com harmonia”.

Já Branco Mello desabafou que não só é difícil ser um titã, como “ser um titã contando uma história dos Titãs, do conjunto, uma banda que nasce, renasce, se reinventa o tempo todo”. Havia a preocupação de agradar aos outros integrantes, tão personagens quanto ele nessa história, mas ao mesmo tempo de “mostrar o melhor e o pior de cada um”, de ser sincero no relatar. Em busca desse equilíbrio, “A vida até parece uma festa” não se exime de mostrar momentos como a prisão por posse de drogas (e sua abusiva cobertura da mídia) de Arnaldo Antunes e Tony Bellotto e a morte do guitarrista Marcelo Fromer em 2001.

Também o consenso entre Branco e Oscar por contar uma história dos Titãs sem ordem cronológica e sem narrativa foi um passo nessa busca: “A gente resolveu fazer uma coisa pro cinema, então o bacana é chamar as pessoas pro cinema. Não é elas estarem ouvindo uma história, mas participando duma história”, explica Branco.

titas3-anos80Embora às vezes essa história possa parecer desconexa e as cenas das brincadeiras do grupo, um tanto excessivas, o filme mostra as raízes da familiaridade que os brasileiros têm com letras como Bichos escrotos e Marvin e figuras como Nando Reis e Arnaldo Antunes. Segundo Branco Mello: “Os nossos fãs de quinze anos nem sabem que o Arnaldo era um titã, veem ele como tribalista. Fãs mais novos não vão se lembrar do Nando na banda também, acho que o filme tem isso de importante, de contar isso”.

Entre passados mais e menos recentes, é divertido e emocionante acompanhar o intenso convívio de uma banda que, ao longo de 26 anos de carreira, não perdeu a juventude, a amizade e a paixão pela música e é uma das maiores inspirações e modelos da música pop brasileira.

ESTREIA: O Peso da Vergonha

Ricky Hiraoka

Kate Winslet é dotada de um talento ímpar que a faz, sem sombra de dúvida, a maior atriz de sua geração. Ela consegue encarnar as mais variadas personagens sem nunca se repetir e, sempre, é muito verossímil. Essas habilidades podem ser conferidas em O Leitor (The Reader), que estreia nessa sexta-feira. Através de olhares, entonações nos diálogos e gestos minimalistas, a atriz constrói uma mulher que expressa uma dureza nos olhos e possui uma sensualidade fria. Winslet é capaz de antecipar o que Hanna esconde ou o que ela enfrentará com um olhar desviado ou uma mão que, repentinamente, vai a nuca como se quisesse disfarçar alguma coisa.

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A indicação ao Oscar de Melhor Atriz por esse papel é merecida, mas ela também deveria concorrer por Foi Apenas Um Sonho. Apesar de apresentar uma performance formidável em O Leitor, Winslet é prejudicada pela natureza de sua personagem. Dificilmente, a ala judia da Academia reconhecerá seu trabalho uma vez que ela interpreta uma guarda nazista que não se sente culpada pelas mortes cometidas pelo Reich de Hitler. Graças a um fortíssimo lobby, os membros judeus da Academia já conseguiram tirar o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro de Paradise Now, uma produção palestina, e com Winslet poderá acontecer o mesmo, o que beneficiará ou Anne Hathaway (O Casamento de Rachel) ou Meryl Streep (Dúvida).

Ambientado na Alemanha pós-guerra, O Leitor narra o envolvimento sexual de Hanna Schimitz, uma ex-guarda nazista de 36 anos, com o adolescente Michael. Todo encontro desse improvável casal segue um estranho ritual: primeiro, tomam banho, depois, Michael lê algum romance para Hannna e, em seguida, fazem sexo. O tórrido romance dura apenas um verão e acaba devido ao sumiço repentino de Hanna. Anos mais tarde, quando já está cursando Direito, Michael reencontra Hanna. Mas o destino os coloca de lados opostos. Hanna está sendo julgada por ter trabalhado num campo de concentração durante a 2° Guerra Mundial e Michael é convocado por um de seus professores para acompanhar o julgamento. Trabalhar para os nazistas, porém, não é o único segredo guardado por Hanna. Ela esconde outro detalhe de sua vida que determinará seu destino.

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Rever a ex-amante faz Michael sentir novamente sentimentos que há tempos estavam enterrados e provoca dúvidas a respeito de quem merece ser punido pelos crimes dos nazistas. Só os participantes ativos do massacre dos judeus devem sofrer um castigo ou aqueles que foram omissos em relação a matança também merece uma punição? Essa questão ainda é fonte de polêmica e, dificilmente, uma resposta satisfatória será encontrada.

É bom deixar claro que O Leitor não pretende polemizar, nem discutir tal assunto. O filme apenas retrata brilhantemente como o sentimento de culpa causado pelo Holocausto ainda é refletido no cotidiano e nas atitudes dos alemães.

Para sempre aterrorizante

Mariana Franco

Qual seria o filme de terror por excelência? Não “Um” filme, mas “O” filme? Se uma votação como essa fosse feita, muitos seriam os votos para O Exorcista, que há décadas é lembrado por muita gente como o filme mais assustador que já assistiram. Aliás, muitos até hoje não se aventuram a assistí-lo.

Um demônio libertado numa escavação no Oriente Médio se apossa de Regan (Linda Blair), uma menina de 12 anos que mora com a mãe (Ellen Burstyn), atriz divorciada. A garota, até então amável, passa a apresentar comportamento agressivo, falar palavras de baixo calão e fazer atos estranhos. Tida como adoentada, passa por uma série de medonhos (e provavelmente bem dolorosos!) exames na tentativa de um diagnóstico. A situação e os horrores vão evoluindo até a sua completa transformação num demônio, e à solução temporária de deixá-la amarrada à cama. Sem mais saber o que fazer, sua mãe, desesperada, recorre ao padre e psiquiatra Damien Karras (Jason Miller) para fazer o exorcismo.

O filme, tenso desde o início, é marcado mais pelo terror psicológico do que por banhos de sangue, mutilação e toda espécie de carnificina tão comuns em filmes do gênero. Todo o horror que ele inspira, talvez, se deva ao fato de o roteiro parecer mais “real” do que outros filmes de terror, de aventuras demasiadamente fantasiosas. N’O Exorcista vamos acompanhando a mãe da menina a procurar por todas as soluções possíveis até o final reconhecimento de que a filha está possuída, passando antes, pelas fases de descrença e questionamentos religiosos que seriam comuns a qualquer um de nós.

Entretanto, o filme é mesmo lembrado pelas cenas clássicas de possessão, como a que Regan desce a escada de casa feito uma aranha, ou aquela em que se masturba violentamente com um crucifixo, espalhando sangue por todos os lados e gritando com uma voz realmente demoníaca: “Deixe que Jesus te foda”.

Na fase de completa transmutação da garota, uma brava salva de palmas deve ser dada à maquiagem. Não é mais possível reconhecer as feições da menina por baixo da pele esverdeada coberta de feridas abertas e cheias de pústulas. A voz do demônio, capaz de causar arrepio na espinha, foi dublada pela atriz Mercedes McCambridge, que ingeriu ovos crus e fumou feito uma chaminé para alcançar o resultado esperado.

exo4Para aumentar a aura assustadora do filme, uma série de acontecimentos estranhos e um tanto quanto macabros aconteceram durante as filmagens e pouco depois delas, incluindo a morte de um ator e vários acidentes com a equipe de filmagens. E um detalhe a mais: o número da casa em que se realizaram as filmagens era 666. Truque de marketing ou coincidência do demo?

Comparado com os filmes de hoje (lembrem-se que esse “velhinho” já tem mais de trinta anos!), alguns dos efeitos são tão toscos que chegam a provocar riso, como os flashs de uma face do demônio branca e de olheiras vermelhas, que mais parece o Marilyn Manson (ok, não que ele não seja assustador), ou os jorros de vômito verde e espesso, mais parecidos com sopa de ervilha ou vitamina de abacate.

A todos que me perguntam, eu respondo que não tenho medo, assisto sozinha (à noite) e dou risada assistindo O Exorcista. E dou mesmo. Mas confesso que depois, TV desligada, luzes apagadas, meu pensamento ainda volta incomodamente àqueles olhos demoníacos e à música, tão característica, do filme.

O gênio do suspense no cinema filma o gênio da literatura de terror

Victor Caputo

Quando pensamos em suspense no cinema logo nos vem o nome de Stanley Kubrick. Quando o assunto é terror na literatura temos Stephen King. A pergunta é: o que acontece se Kubrick filmar um livro de King? A resposta é “O Iluminado” de 1980.

Um dos maiores filmes de terror da história do cinema. Kubrick não precisa de grandes efeitos especiais para nos deixar rígidos e aflitos enquanto assistimos ao filme. Coloque duas meninas vestidas de forma igual de pé em um corredor, corta para as duas mesmas meninas mortas e sangue por todo lado. Com certeza é mais do que o suficiente para provocar calafrios.

Jack Nicholson parece perfeito para o papel de escritor perturbado que toma conta de um hotel, apenas com a mulher e filho, isolados de todo resto do mundo. Com a sua peculiar cara de louco, principalmente lá para os finalmentes do filmes quando sua paranóia e loucura já estão bem afloradas. Impossível esquecer a expresão de maníaco com a cabeça enfiada entre os pedaços da porta despedaçada por um machado enquanto ele persegue a mulher e o filho.

Algumas mudanças leves foram feitas na adapatação às telas, algumas delas uma pena na minha opinião. Uma das cenas mais assustadoras e aflitivas do livro foi cortada e o final também foi alterado.

Entre rabiscos de RedruM, grandes volumes de sangue vindo em câmera lenta pelos corredores do hotel, quartos proibidos, muita neve e um labirinto, “O Iluminado” é ainda hoje um dos filmes mais assustadores de todos os tempos.

ESTREIA: Por uma vida menos ordinária

Ricky Hiraoka

Onze anos após o sucesso de Titanic, Kate Winslet e Leonardo Di Caprio voltam a contracenar no drama Foi Apenas Um Sonho (Revolutionary foi-apenas-um-sonho2Road). Dessa vez, Kate e Di Caprio enfrentam outro naufrágio: o do casamento. Na pele de April e Frank Wheler, os dois atores representam a angústia e a frustração de um casal da classe média alta americana da década de 1950 que não está satisfeito com o estilo de vida que leva. April é uma atriz fracassada que se vê obrigada a ser dona de casa e cuidar dos dois filhos. Já Frank trabalha como vendedor em uma empresa, tendo o mesmo emprego que seu pai tinha, algo que jurou para si mesmo, quando criança, que não aconteceria jamais.

Entre brigas e reconciliações, April e Frank decidem que Paris é o lugar ideal para serem felizes e encontrarem seus respectivos lugares no mundo. Ela trabalharia como secretária em uma embaixada, enquanto ele decidiria qual é sua verdadeira vocação. Mas, aos poucos, eles percebem que tal mudança não será tão fácil. A cada passo que dão rumo ao sonho de ir para Paris, eles se deparam com o vazio e a mediocridade que imperam em suas vidas.

foi-apenas-um-sonho3Foi Apenas Um Sonho é uma crítica mordaz não só ao estilo americano de viver, mas também à maneira acomodada como conduzimos nossas vidas. April e Frank são metáforas para a covardia generalizada que toma conta dos homens. A busca pelo conforto, pelo dinheiro e pela vida que achamos que devemos ter nos impede de ver o que realmente nos faz feliz. April e Frank veem em Paris a possibilidade da redenção que não serão capazes de alcançar.

Através de uma ótica um tanto niilista, Sam Mendes cria uma fábula para explicar o que move o ser humano: a insatisfação. Cada ação, cada gesto, cada movimento de April e Frank tende a buscar desesperadamente a felicidade e a sensação de estar vivo. Embora brilhante, Foi Apenas Um Sonho foi ignorado pela Academia. O filme apresenta uma direção segura, atuações memoráveis, uma deslumbrante direção de arte e um figurino impecável. Mas, por motivos obscuros, todos esses predicados não agradaram aos membros da Academia. Talvez o que os tenha incomodado foi o fato de Foi Apenas Um Sonho ser real demais.

ESTREIA: Woody sombrio

Saulo Yasssuda

A humanidade e seu pavor de mudanças. Esse tema, que atinge seres de diferentes idades, está presente no novo filme do argentino Daniel Burman, que estreia hoje (30) em São Paulo e outras capitais. Em Ninho Vazio, o cineasta, de 35 anos, mostra o passar das horas de Leonardo (Oscar Martínez), escritor cinquentão bem-sucedido da classe média argentina.

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A diferença da idade entre criador – Burman – e criatura – Leonardo – talvez influencie nos cortes bruscos que percorrem todo o longa. Isso, talvez, configura em uma forma de o diretor, que também escreveu o roteiro, evitar mergulhar no que não conhece. E, se o filme mostra o passar das horas de Leonardo, o faz com esses pequenos recortes.

Leonardo em um jantar com a esposa – crise no casamento. Leonardo conversando com o novo amigo psiquiatra – reflexões existenciais. Leonardo no consultório da bela dentista – relacionamento relâmpago. É montando essas pequenas peças cotidianas que o escritor passa seus dias – não se sabe bem quanto tempo é percorrido – para tentar preencher o vazio deixado pela saída dos filhos de casa.

Os filhos crescem e vão embora. O ninho fica vazio. Restam Leonardo e a esposa, os dois que, longe do caos diário que era a vida com os três filhos, caem de volta dentro de uma relação a dois, que entra em crise. Os filhos seguem suas vidas. Enquanto isso, Leonardo parece estacionar a sua. O chefe da família se ressente e mergulha em si, enquanto Martha (Cecília Roth), a esposa, volta aos estudos, faz novas amizades na faculdade, tem uma vida mais ativa, cheia de amigos. Um casal de antítese.

3759jpgNesse conflito que não explode – uma espécie de “guerra fria” – Leonardo parece agonizar. Vemos passagens suas que não se sabe se são sonho, realidade, ou o próprio interno do personagem. Tudo acompanhada de uma gostosa trilha jazzística. E são nesses momentos de menos fala e de mais contemplação que Burman ganha pontos.

Muito comparado a Woody Allen, o diretor, pelo menos se depender de Ninho Vazio, parece se distanciar mais do cineasta norte-americano – a não ser que fosse chamado de “Woody sombrio”. Ninho Vazio é sombrio. Ou, se quiser dar um sentido gustativo ao longa, Ninho Vazio é amargo.

Gomorra: retrato do capitalismo selvagem

Tulio Bucchioni

gomorra1“A Camorra, a Calabria, a Cecília são a face do que se desabituou de se chamar ‘capitalismo selvagem’” afirma Manuel da Costa Pinto, editor e crítico de cinema do jornal “Folha de S. Paulo” e um dos convidados para o debate sobre o filme “Gomorra”, na noite de quinta-feira, dia 22, na Livraria Cultura, em São Paulo. No evento estavam ainda Bruno Paes Manso, jornalista de “O Estado de S. Paulo” e Marçal Aquino, escritor e roteirista.

O filme, dirigido por Matteo Garrone, retrata a máfia italiana do sul do país e teve como inspiração o livro homônimo do escritor italiano Roberto Saviano, que conviveu com a máfia durante 26 anos. “ Saviano teve que tomar uma posição. O livro é muito mais um desabafo, um grito, uma denúnica do que uma representação propriamente dita” diz Paes Manso. “ Seu olhar sobre os fatos é o olhar de alguém que conviveu, sabe o que fala e sabe que por causa disso vai correr o risco eterno de morrer”. Atualmente Saviano encontra-se jurado de morte depois da repercussão de seu trabalho ao redor do mundo.

gomorra2Para Manuel, o livro pode ser classificado como uma literatura de testemunho, uma vez que, apesar de estar muito próximo do romance, pode ser caracterizado por uma narrativa onde uma vítima “tenta dar conta dessa realidade dramática, irrepresentável”. Em sua opinião, o filme trata de expor o horror da transformação das pessoas em objetos, da alienação, da forma mais brutal do capitalismo, o capitalismo selvagem: “que coisifica tudo”. “ O que Saviano mostra é que existe essa faceta do capitalismo na União Européia, existe ainda a coisa pura, a transformação do homem em dejeto, em nada, o que caracteriza o livro todo”.

Marçal chama atenção para a extrema veracidade que o filme transpassa ao espectador e que traz semelhanças com o neorealismo italiano: “ o grau de realidade não poderia ser diferente, trata-se de um documento, aquilo que vemos na tela é verdade e acontece; o filme de Garrone se aproxima muito do neorealismo italiano”. O escritor e roteirista consegue ainda identificar uma semelhança entre “Gomorra” e “Cidade de Deus”, do brasileiro Fernando Meirelles: “ a felicidade da adaptação é terem sido tiradas do livro algumas histórias representativas; o filme lembra o Cidade de Deus por várias razões, é um mosaico com milhares de histórias e personagens, não é a toa que o filme tem 6 roteiristas”. Paes Manso concorda, mas ressalta que em “Cidade de Deus” não há o posicionamento evidente de “Gomorra”; para Manuel, “Gomorra” não possui “respiro, cor local como ‘Cidade de Deus’”.

gomorra3Traçando um parelelo com Hollywood e depois com São Paulo, Marçal afirma que o filme “não se parece em nada com o cinema hollywoodiano, onde o bandido é bonitão, o que é um dos acertos desse filme, pegar atores próximos da realidade”. No que Manuel concorda: “ todos os ambientes são de uma periferia decadente em que tudo é dejeto, tudo é desglamourizado, ‘Don Corleone’ é só nas telas”. Referindo-se a São Paulo, Marçal aponta que a diferença está na “estrutura quase secular existente em ‘Gomorra’, onde tudo está misturado ao mesmo tempo e os tentáculos do crime estão onde menos se pode esperar, desde a coisa mínima até a coisa grande”. Paes Manso concorda, mas lembra o surgimento do PCC (Primeiro Comando da Capital) como um dado a ser levado em consideração na nova realidade do crime em São Paulo. “ O aspecto institucional e a forma como em ‘Gomorra’ a máfia comanda a cidade é impressionante; hoje em São Paulo faz 8, 9 anos que os homícidios despencaram, mas nesse cenário aparece o PCC, que funciona como um intermédio, um juíz desses conflitos [entre mafiosos, bandidos e civis], sendo uma grande instituição”.

A deterioração das relações sociais é apontada por Manuel como o principal fator para a formação e a crueldade empregada pelas instituições mafiosas. “ É uma forma pura de aniquilação social, o filme poderia se passar em qualquer periferia de uma cidade grande do mundo; esse é o lado sombrio do capitalismo global.”

Leia mais sobre o filme Gomorra: https://cinefilosjjunior.wordpress.com/gomorra/

TÚNEL DO TEMPO: O que terá acontecido com Baby Jane?

Hugo Neto

babyjane-002No início dos anos 60, a carreira de Bette Davis, uma das maiores atrizes cinematográficas norte-americanas, aproximava-se perigosamente do fim. Após uma série de fracassos em Hollywood, a estrela que brilhara ininterruptamente nas décadas de 30 e 40 publicou na Variety o seguinte anúncio:

Artista procura emprego

Americana, divorciada, mãe de três filhos (15, 11 e 10 anos). Trinta anos de experiência como atriz de cinema. Ainda em condições de movimentar-se e mais afável do que dizem os boatos. Deseja emprego em Hollywood (fartou-se da Broadway). Respostas para: Bette Davis a/c Martin Baum, G.A.C. Dá referências.

Este golpe de autopromoção inspirou o diretor Robert Aldrich a conceber uma trama macabra concernindo duas velhas irmãs enclausuradas num casarão, e, num sagaz discernimento de publicidade, a produção reuniu duas babyjane-001atrizes célebres por décadas de uma legendária rivalidade na arte e na vida, Bette Davis e Joan Crawford. Assim surgiu O que terá acontecido a Baby Jane, um terror gótico que deu início ao ciclo que praticamente inventou o gênero.

Num lúgubre casarão vivem as irmãs Hudson. Baby Jane (Bette Davis), outrora uma criança-prodígio cuja carreira entrara em declínio, cuida de Blanche (Joan Crawford), uma estrela cinematográfica célebre em Hollywood que teve a carreira abruptamente interrompida quando ficou paralítica após um acidente automobilístico causado justamente por Baby Jane embriagada ao volante. A degeneração mental latente de Baby Jane vem à tona ao saber que Blanche pretende interná-la num sanatório e, daí em diante, seu desvario leva-a a protagonizar violências cada vez mais bizarras contra sua irmã.

Rodada em 20 dias, esta produção B oculta meticulosamente as limitações orçamentárias graças ao marcante talento dos profissionais envolvidos. Com a direção de arte barroca de William Glasgow, os cenários góticos de George Sawley, os figurinos grotescos de Norma Koch e a impressionante fotografia de contrastes fortes de Ernest Haller, o diretor Aldrich concebeu genialmente uma brutal atmosfera de pesadelo, adicionando a uma típica fábula de Grand Guignol a estética do film noir, gênero no qual o diretor era um admirável connaisseur.

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Baby Jane é, contudo, especialmente célebre pelo marcante desempenho de suas atrizes. Crawford e Davis dominam magistralmente suas grotescas personagens, infundido-as da mesma vitalidade que fizera de ambas duas das maiores estrelas dos anos 30 e 40. Jane e Blanche são duas caricaturas humanizadas envolvidas numa brutal guerra de nervos, arrastando a platéia para dentro de um turbilhão de demência.

A Blanche de Joan Crawford é a máscara bizarra de uma mulher cuja ambivalência se desdobra muito lentamente. Na luta pela sobrevivência, desafiando babyjane-004os limites de seu corpo paralisado, remanesce sempre implícita a percepção de que Blanche poderia ser tão ou mais perigosa que Jane fossem dadas outras circunstâncias.

Crawford compõe uma personagem sensacional em Baby Jane. Não obstante, com seu estilo elétrico de interpretação, é Bette Davis quem domina violentamente o filme. Seu rosto pesadamente maquiado denuncia uma sádica máscara de loucura e seu corpo desleixadamente flácido sugere uma tosca sensualidade que alcança os limites da monstruosidade. Frente à sua interpretação ousada, ostensivamente exagerada, plena dos maneirismos que seriam parte cada vez mais freqüente de seus desempenhos subseqüentes, o espectador se dá conta, encantado, dos abismos de insanidade em que sua personagem mergulhou. Nas rudes gargalhadas ao servir um rato cozido à irmã, no espancamento a pontapés de Blanche ou na alegria subliminar de perpetrar um assassinato a marteladas, Bette Davis legou suas derradeiras cenas iconográficas nas telas e somente muito ocasionalmente sua carreira lhe propiciaria o patamar ao qual este filme genial e cruel a alçou no imaginário coletivo das platéias.

O que terá acontecido com Baby Jane? (Whatever hapenned ro Baby Jane?)
1962 – Estados Unidos – 132 minutos – P/B – terror

babyjane-005Direção: Robert Aldrich.
Roteiro: Lukas Heller baseado o romace de Henry Farrell.
Direção de Fotografia: Ernest Haller.
Direção Musical: Frank DeVol.
Figurinos: Norma Koch
Direção de Arte: William Glasgow.
Montagem: Michael Luciano.
Produção: Kenneth Hyman para a Seven Arts Associates e Aldrich Production, lançado pela Warner Brothers.

Elenco: Bette Davis (Baby Jane Hudson), Joan Crawford (Blanche Hudson), Victor Buono (Edwin Flagg), Marjorie Benett (Mrs Della Flagg), Madie Norman (Elvira Stitt), Anna Lee (Mrs Battes), Barbara Davis Merrill (Liza Bates), Julie Allred (Baby Jane criança), Gina Gillespie (Blanche Hudson criança), Dave Willock (Ray Hudson), Ann Barton Cora Hudson), Wesley Addy (Diretor), Robert Cornthwaite (Dr Shelbuy), Bert Freed (Produtor).

ESTREIA: Surpresas, só no título

Bruna Buzzo

surpresas-do-amorCombine filmes de Natal em família, comédias românticas açucaradas, Vince Vaughn e Reese Whiterspoon: eis Surpresas do Amor (Four Christmases), o sucesso do natal norte americano que por lá já faturou mais de US$115 milhões e passou duas semanas na liderança do ranking de bilheteria. Se olharmos para a atual situação dos EUA, fica fácil entender o porquê do sucesso de Surpresas. Em meio à crise, é normal que os norte-americanos queiram ir aos cinemas para ver algo mais leve e se afastar um pouco do quadro cotidiano.

O filme pode ser pensado como uma mistura de Doce Lar (com Reese Whiterspoon) com Separados pelo Casamento (com Vince Vaughn). Juntamos protagonista que quer fugir de sua família em Doce Lar com os conflitos amorosos de Separados pelo Casamento, e, claro, unimos a mocinha de um com o mocinho do outro. Até aqui, nada de novo.

surpresas-do-amor2Neste filme que se formou, Brad (Vince Vaughn) e Kate (Reese Whiterspoon) são um casal de namorados que procurar fugir de suas complicadas e estranhas famílias nas festas de fim de ano. Sempre viajando e inventando desculpas para não visitar os parentes.

Uma neblina que cobre a cidade de São Francisco no Natal será a grande culpada pelas desgraças do casal, que se vê forçado a enfrentar quatro natais (afinal, ambos tem pais divorciados) em um mesmo dia, não sem custos à relação ou às convicções de ambos. A narrativa nos mostra que o casal não se conhece muito bem e muita coisa faltou nas conversas dos namorados, dos pequenos segredos às vergonhas escondidas em antigos álbuns de fotografias.

surpresas-do-amor31Entender por que Brad e Kate fogem de suas famílias é fácil, poucas são as pessoas que nunca se irritaram com interferências e fofocas familiares. No entanto, a grande mensagem que esta comédia romântica passa (por que você já deve ter percebido que comédias românticas sempre passam uma mensagem bonitinha no final) é de que viver e conviver em família pode ser melhor e mais recompensador, apesar de tudo. E neste jogo amoroso, a sinceridade é a melhor tática, sempre lembrando que planos podem ser revistos.