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Sem glamour, sem beleza

Ricky Hiraoka

Faz parte do imaginário mundial a idéia dos franceses como sendo um povo chique, belo, elegante e, acima de tudo, glamoroso. Os filmes nunca fizeram nada para mudar ou acabar com essa imagem que vem sendo cultivada há séculos.


O drama Félix e Lola tenta desmontar esse e outros lugares comuns. Todas as ações se desenrolam num parque de diversões cuja principal característica é o semblante agoniado e melancólico dos funcionários. Ali, ao contrário do que era de se esperar, não há sinais de alegrias ou risadas. Todos parecem carregar o peso do dever de divertir os outros. Não há nem o glamour, nem o luxo que costumamos a ver nos filmes franceses. Os atores e as locações são simples, para não dizer feios.


felixlola

Nesse cenário, o vendedor de fichas Felix (Philippe Torreton) encontra a misteriosa Lola (Charlotte Gainsbourg). A atração que ele sente pela morena dos olhos tristes é imediata e só não é consumada porque Lola se mostra um tanto reticente, não querendo se envolver. Logo, Félix percebe que Lola esconde um segredo que os impede de ficar juntos. Um homem de meia-idade começa a perseguir Lola e Félix liga os pontos, concluindo o óbvio. Ela conta seus segredos e ele promete ajudá-la. Nesse momento, o filme parece que vai degringolar e se tornar um suspensezinho vagabundo como muitos já produzidos, mas não é bem isso que acontece.


lolaA medida que a história avança, compreende-se que nem tudo é o que parece e que não se pode confiar na narrativa de quem está desesperado. E essa falta de confiança só ocorre porque tanto Félix quanto Lola são reais, pessoas que poderiam ser nossos amigos, vizinhos ou parentes. O que eles vivem é crível e bem diferente dos dramas que costumamos assistir nas telonas.


Félix e Lola é uma obra naturalista, quase documental, seja pela fotografia, seja pelas interpretações contidas. Mais do que isso, Félix e Lola é uma indagação: precisamos de fortes emoções para nos sentirmos vivos?


Divertidas sutilizas

Bruna Buzzo

A Alegria de Emma começa com uma música agradável e mantém essa sensação inicial ao longo durante todo o filme. O campo é mostrado ao espectador sempre com um ar mais bonito do que a cidade, que tem ares melancólicos e tons escuros. Os personagens também seguem esta linha que o roteirista parece defender: a vida bucólica, mesmo quando mostrada em sua face mais triste, ainda pode ser muito melhor que a vida urbana.

Os personagens principais são duas criaturas solitárias com problemas que não podem resolver. Aproximadas por um acidente não tão acidental, cada um deles irá rever seus conceitos devido à presença constante de alguém em seu cotidiano. Emma (Jördis Triebel) – uma moça rude que vive sozinha em uma fazenda onde cria porcos – passa a sorrir e tira um belo vestido de renda branco – de sua avó – do armário, e Max (Jürgen Vogel) – um solitário vendedor de carros com câncer no pâncreas – tem despertado um lado com o qual não convive muito.

Com uma bela fotografia e uma trilha sonora escolhida a dedo, o filme consegue manter a atenção do espectador mais exigente no enredo simples. Comedia dramática, lida perfeitamente com este gênero ao qual se propõem: mescla cenas engraçadas com momentos de extrema melancolia, fazendo o público sair da sala de cinema com um sorriso no rosto e levando reflexões para casa. Olhando para os personagens, o espectador usa as experiências do filme para repensar sua própria vida e descobrir o valor desta em si mesmo.

Suave, divertido e um pouco melancólico, este é um filme para se deliciar com a catarse do cinema em seu melhor estilo. É pena que poucas pessoas darão chances a uma comedia alemã sem estrelas conhecidas, mas para o espectador sem preconceitos – ou não tão viciado em grandes nomes do cinemão hollywoodiano – a sensação final valerá até mesmo o mais caro ingresso.

God protect us

Bruna Buzzo

Um Crime Americano começa com Sylvia (Ellen Page) nos falando de suas maiores alegrias, das coisas de que mais gosta em sua vida. Conforme os minutos vão passando, o longa nos mostra as alegrias da menina se desmoronarem em um mundo de agonias e desespero. Catherine Keener interpreta Gertrude Baniszewski, uma mulher perturbada e que perturba. Sua personagem causa um profundo sentimento de angústia no espectador e é, em grande parte, o que faz com que possamos classificar este filme como um drama psicológico.

Do começo ao fim, é a agonia das incertezas o que nos faz esperar pelos minutos e torcer pelo sucesso de Sylvia e de sua irmã, Jennie, deixadas pelos pais aos cuidados de alguém que nem sequer conheciam. As meninas são filhas de um casal que monta barracas de comida em um parque de diversões itinerante: eles viajam o tempo todo e, nesta profissão, as filhas são um problema e se tornaram motivo de brigas entre o casal.

Ao conhecer uma senhora que tem sete filhos, o pai das meninas se deixa convencer de que deixá-las aos cuidados de Gertrude é uma boa solução para que o casal continue seus negócios e as filhas possam se estabelecer em uma cidade e fazer amigos.

O abandono se torna o grande tema do filme: abandono das meninas pelos pais, abandono de Gertrude e de seus filhos, abandono social. Pobre e mãe solteira, Gertrude teve seis filhos com o primeiro marido e mais um com seu namorado jovem, que além de não assumir o filho ainda pede o pouco dinheiro que a senhora tem emprestado. Por suas relações familiares e amorosas, Gertrude não é muito bem vista na comunidade em que mora. Seus filhos também são vitimas desta segregação e alguns deles acabaram seguindo o mesmo caminho da mãe: miséria, relações amorosas instáveis e desequilíbrio.

O filme é contado em dois tempos: mescla cenas do julgamento de Gerthude com outras que contam o desenrolar dos fatos que levaram ao crime cometido contra Sylvia, que conta sua historia desde o momento em que vive feliz em um carrossel com os pais até as cenas finais que mostram o destino de cada um dos envolvidos na série de atrocidades que a menina aguentará calada e forte, pelo bem da irmã mais nova.

Neste filme repleto por irresponsáveis e desequilibrados, Ellen Page é quem dá luz à única personagem ajuizada do longe, como diriam os contemporâneos da menina. Sylvia é injustiçada e se cala frente às agressões que sofre, busca proteger a todo custo a irmã mais nova e sofre sozinha pela ausência dos pais e pelo erro em que ela mesma ajudou a se meter.

As diferentes tonalidades das cenas mesclam o colorido do circo e da alegria dos primeiros dias com a escuridão em que se transformará a vida da garota. Um erro, vários culpados. Muitos serão punidos e a pequena Sylvia nos conta, sem ressentimentos, como cada coisa dentro de sua historia faz sentido e se encaixa. Ela nos mostra que cada gesto tem enormes conseqüências e que muitas vezes nem Deus pode nos ajudar.

Limonada palestina

Bruna Buzzo

É com uma agradável música que o espectador que for conferir o filme Lemon Tree será recebido na sala de cinema. O longa começa com uma canção, em inglês, sobre os limoeiros de que o filme falará. Na tela, imagens de uma compota de limão, algo que parece ser a especialidade da dona do pomar, Salma (Hiam Abbass), uma senhora palestina que leva uma vida tranqüila e solitária no pomar de limoeiros que herdou de seu pai.

Sua tranqüilidade, no entanto, chega ao fim com a chegada de um novo vizinho. O Ministro da Defesa de Israel (Doron Tavory) se muda para a casa ao lado da plantação de Salma e seus limoeiros passam a ser considerados uma ameaça ao ministro e à sua esposa, Mira Navon (Rona Lipaz-Michael), que leva uma vida isolada e infeliz. A Força de Segurança Israelense declara que as árvores precisam ser cortadas e a viúva palestina decide defendê-los até o fim, chegando a levar o caso à Suprema Corte de Israel, com a ajuda do jovem advogado Ziad Daud (Ali Suliman).

O diretor israelense Eran Riklis, que já havia mostrado ao público suas opiniões sobre o Oriente Médio em A Noiva Síria, resolveu filmar mais uma vez sobre o tema, com uma história sobre lutas e solidão. Os personagens que retrata neste filme são todos solitários em certos aspectos e o diretor se valeu de excelentes atuações para dar um brilho especial ao filme. A atriz Hiam Abbass, que trabalhou com o diretor em A Noiva Síria, desta vez ganhou o papel da protagonista e deu à Salma um tom melancólico sem ser pesado.

O filme como um todo é uma mistura de humor com drama, tragédia e comédia, e isto lhe confere um tom que encanta o espectador. O bom roteiro, aliado a uma agradável trilha sonora e as belas cenas dos limoeiros e das cidades do Oriente Médio enchem os olhos do público e fazem deste filme uma reflexão sobre um impasse político sem ser pesado ou desconfortável. Eleito pelo júri popular como o Melhor filme no Festival de Berlim deste ano, Lemon Tree abriu o 12º Festival de Cinema Judaico, que vai até 10 de agosto em cinco salas de São Paulo: Hebraica, Centro de Cultura Judaica, Cinesesc, Cinemark Pátio Higienópolis e Teatro Eva Herz, da Livraria Cultura.